Escola Internacional Ecologias Feministas dos Saberes
Homegirls: violência, política e micro resistências em modo de cosmopolitismo subalterno - Sílvia R
2019-02-13

Seminário | Homegirls: violência, política e micro-resistências em modo de cosmopolitismo subalterno Sílvia Roque Apesar de cerca de 20 a 40% dos membros de gangs em El Salvador serem do sexo feminino, a participação das mulheres nestes grupos tem sido marginalizada e menorizada. Este (aparente) paradoxo no interesse votado às experiências das mulheres que integram gangs está relacionado com a questão da diferença de legitimidade associada à ação e objetivos dos diferentes grupos. Quando as mulheres se envolvem em grupos violentos em contextos de guerra, seja em exércitos, seja em grupos de guerrilha, é muitas vezes com base num pacifismo inerente que são retratadas nas práticas e discursos políticos e mediáticos. São remetidas para papéis de apoio (secundarizados) ou de cuidadoras e a sua participação é quase sempre entendida como um prolongamento das suas funções tradicionais, mesmo quando elevadas ao estatuto de heroínas primordiais, sustentáculos das lutas e projectos nacionalistas ou revolucionários. Quando a violência das mulheres é exercida fora de um enquadramento ideológico justificativo, ela é também abordada do ponto de vista da excecionalidade, em dois sentidos diferentes. Em primeiro lugar, no sentido de serem invisibilizadas: são tidas como meras “acompanhantes”, membros secundários e apoiantes, mas não membros centrais e activos dos gangs, assim como as fundações sexuadas da violência dos gangs (feminilidades, masculinidades e a relação entre estas) também não parecem ser relevantes. Em segundo lugar, no sentido de serem hiper-visibilizadas como exemplos de um “desvio” de género, sendo a violência por elas praticada vista como irracional ou anormal. Tornam-se parte de uma imagética que as revela como expressões de feminilidades perversas: são “bad girls” que se afastam dos papéis pacíficos esperados, desprovidas de “feminilidade”, cuja ligação aos gangs se explica sobretudo por via da sexualidade e da hiperssexualização dos seus atos; ou são ‘monstros’, hiper-agentes, ainda mais assustadoras e vorazes do que os homens no seu desempenho da violência. Em suma, retira-se-lhes a feminilidade, a normalidade e a humanidade. Nesse sentido, alguns estudos e ativismos feministas têm um papel contraproducente ao reforçar essa associação, recusando olhar os fragmentos feministas que emergem da análise dos relatos destas jovens – ainda que ambíguos, incompletos ou incoerentes. São esses fragmentos que pretendo analisar, centrando-me em duas dimensões: a sua agência política e as suas micro-resistências enquanto sobreviventes de um ciclo intenso se violência. _________________________________________________________________ Sílvia Roque é investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Doutorada em Relações Internacionais pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (2014). Realizou ainda um mestrado em Estudos Africanos (2007), no ISCTE-IUL-Instituto Universitário de Lisboa, e é licenciada em Relações Internacionais pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (2002). Desde 2005 tem trabalhado em projectos de investigação no domínio das Relações Internacionais, em particular na área de Estudos para a Paz. Para além da Guiné-Bissau e de El Salvador, países onde concentrou a maior parte da sua investigação, colaborou ainda em projectos de investigação em Portugal e em Moçambique. Além disso, tem colaborado com organizações da sociedade civil e organizações internacionais na realização de estudos, formação e cooperação que visam a compreensão e a diminuição de várias expressões de violência.