Homegirls: violência, política e micro-resistências em modo de cosmopolitismo subalterno Apesar de cerca de 20 a 40% dos membros de gangs em El Salvador serem do sexo feminino, a participação das mulheres nestes grupos tem sido marginalizada e menorizada. Este (aparente) paradoxo no interesse votado às experiências das mulheres que integram gangs está relacionado com a questão da diferença de legitimidade associada à ação e objetivos dos diferentes grupos. Quando as mulheres se envolvem em grupos violentos em contextos de guerra, seja em exércitos, seja em grupos de guerrilha, é muitas vezes com base num pacifismo inerente que são retratadas nas práticas e discursos políticos e mediáticos. São remetidas para papéis de apoio (secundarizados) ou de cuidadoras e a sua participação é quase sempre entendida como um prolongamento das suas funções tradicionais, mesmo quando elevadas ao estatuto de heroínas primordiais, sustentáculos das lutas e projectos nacionalistas ou revolucionários. Quando a violência das mulheres é exercida fora de um enquadramento ideológico justificativo, ela é também abordada do ponto de vista da excecionalidade, em dois sentidos diferentes. Em primeiro lugar, no sentido de serem invisibilizadas: são tidas como meras “acompanhantes”, membros secundários e apoiantes, mas não membros centrais e activos dos gangs, assim como as fundações sexuadas da violência dos gangs (feminilidades, masculinidades e a relação entre estas) também não parecem ser relevantes. Em segundo lugar, no sentido de serem hiper-visibilizadas como exemplos de um “desvio” de género, sendo a violência por elas praticada vista como irracional ou anormal. Tornam-se parte de uma imagética que as revela como expressões de feminilidades perversas: são “bad girls” que se afastam dos papéis pacíficos esperados, desprovidas de “feminilidade”, cuja ligação aos gangs se explica sobretudo por via da sexualidade e da hiperssexualização dos seus atos; ou são ‘monstros’, hiper-agentes, ainda mais assustadoras e vorazes do que os homens no seu desempenho da violência. Em suma, retira-se-lhes a feminilidade, a normalidade e a humanidade. Nesse sentido, alguns estudos e ativismos feministas têm um papel contraproducente ao reforçar essa associação, recusando olhar os fragmentos feministas que emergem da análise dos relatos destas jovens – ainda que ambíguos, incompletos ou incoerentes. São esses fragmentos que pretendo analisar, centrando-me em duas dimensões: a sua agência política e as suas micro-resistências enquanto sobreviventes de um ciclo intenso se violência.