José Manuel Mendes, investigador da Universidade de Coimbra, alerta para o impacto nas vítimas do desfecho dos processos judiciais e diz que os abrigos prometidos para as aldeias não existem.
Cinco anos depois do trágico incêndio de Pedrógão Grande, que fez 66 mortos e mais de 250 feridos, a comunidade afetada pela tragédia não se sente mais segura, afirma José Manuel Mendes, investigador da Universidade de Coimbra.
“As pessoas têm a ideia de que daqui a 9, 10 anos pode haver uma catástrofe análoga. É certo que limpam os terrenos à volta das casas, mas naquilo que se afasta da sua responsabilidade, ou seja, o ordenamento do território e da floresta, sentem que, no geral, vivem à volta de um barril de pólvora", adverte o académico, em entrevista à Renascença.
"É como se o território tivesse sido abandonado“ após o grande incêndio de Pedrógão Grande, sublinha o investigador da Universidade de Coimbra que, com a sua equipa, tem estudado a forma como a população atingida pelo incêndio tem percecionado a tragédia, as medidas e ações implementadas.
Segundo o professor, uma das dimensões que “está aquém” diz respeito à construção de abrigos e ao programa Aldeia Segura, criado na sequência dos incêndios com o objetivo de proteger as populações rurais mais expostas a este tipo de catástrofe.
“Os abrigos prometidos não existem. Quando há um planeamento e uma projeção no espaço público, depois tem de haver concretização”, diz José Manuel Mendes, que é coordenador do Observatório do Risco - OSIRIS, sedeado no Centro de Estudos Sociais (CES). E acrescenta: “Sobre o Aldeia Segura seria expectável que, nestas zonas, o número de aldeias aderentes e de planos de evacuação fosse superior”.
De acordo com dados da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), citados esta semana pelo Jornal de Notícias, das duas mil aldeias abrangidas pelo programa apenas 858 têm planos de evacuação.
"É como se o território tivesse sido abandonado“, diz o investigador José Manuel Mendes. Foto: DR
O impacto do processo judicial
A 17 de junho de 2017, quando o fogo deflagrou, em Escalos Fundeiros, no concelho de Pedrógão Grande, José Manuel Mendes estava em Londres, no Reino Unido, a estudar o impacto do incêndio na torre de Grenfell, que fez 72 mortes.
“Perante o que estava a acontecer, regressei a Portugal. No início, fomos fazendo entrevistas e depois tornamo-nos consultores da associação de vítimas, dada a nossa experiência noutros contextos semelhantes. Mais tarde, fomos acompanhando diversas famílias”, diz, explicando que, nos últimos anos, foi estabelecendo um paralelismo com o que aconteceu no incêndio do prédio de Grenfell.
Sobre os processos judiciais em curso relacionados com o incêndio de Pedrogão Grande, o académico alerta para o impacto do seu desfecho nas vítimas.
“O sistema judicial é fundamental para o futuro destas comunidades”, refere. “É interessante ver que, no caso de Grenfell, o juiz começou o julgamento com depoimentos de todas as famílias. Aqui está a decorrer um processo em que as vítimas e os seus familiares são completamente invisíveis”, lamenta.
A importância da memória e o impacto da pandemia
José Manuel Mendes afirma que o monumento de homenagem às vítimas, ainda por concluir, “está a fazer falta”.
“O luto nunca é ultrapassado, mas havendo um reconhecimento e uma projeção no espaço público há todo um trabalho de memória que pode ser feito”, diz o professor catedrático, referindo também que sobre a reconstrução das habitações atingidas pelo fogo “as pessoas sentem que independentemente de todas as polémicas houve uma concretização”.
O investigador do Centro de Estudos Sociais considera, ainda, que a pandemia dos últimos dois anos “tornou as memórias menos presentes nos discursos dos mais jovens”, o que não aconteceu com os mais velhos que têm “uma memória que se incorpora no território”.
Por agora, diz José Manuel Mendes, o mais importante é “olhar para as questões de médio e longo prazo”, como o ordenamento do território e a capacitação das aldeias para lidarem com fogos florestais.
Conteúdo Original por Renascença