pt
Opinião
Fascismo 2.0: curso intensivo
Boaventura de Sousa Santos
Jornal de Letras, Artes e Ideias
2020-11-18

Versión en español a continuación

Image: the Intercept

É impossível prever o que vai acontecer nos EUA nas próximas semanas. Várias perguntas cruciais ficam por agora sem resposta. Houve ou não fraude eleitoral? Se houve, foi suficiente para inverter os resultados? Será a transição de Trump para Biden, de Trump para Trump? Ou de Trump para um acordo de compromisso no Congresso em que, tal como aconteceu em 1876, o candidato que ganhou as eleições assume a presidência na condição de aceitar o compromisso extra-eleitoral? Haverá violência nas ruas qualquer que seja a solução, uma vez que qualquer delas marginaliza uma parte importante e polarizada da sociedade?  Por enquanto, tudo isto são incógnitas. Mas há algumas certezas, e essas são bem sombrias para o futuro da democracia. Concentro-me numa. Refiro-me ao curso intensivo de fascismo 2.0 que Donald Trump tem ministrado, ao longo destes quatro anos, aos aspirantes a ditadores, a líderes autoritários e fascistas. O curso teve o seu momento mais alto na aula magistral que Trump começou a dar, a partir da Casa Branca, às 2.30 da madrugada (hora de Washington DC) do dia 4 de Novembro. O tema geral do curso é “como usar a democracia para a destruir”. Desdobra-se em vários sub-temas. Neste texto refiro brevemente os principais. As três primeiras lições dizem respeito às eleições e as restantes, à política e à governação. O objetivo geral do curso é inculcar a ideia de que a democracia só serve para chegar ao poder. Uma vez no poder, nem a governação nem a rotação democrática é aceitável.

       1. Não reconhecer resultados eleitorais desfavoráveis. O tema da aula do dia 4 foi como recusar os resultados eleitorais quando não nos convêm, como criar confusão na mente dos cidadãos, inventando suspeitas de fraude que, independentemente dos factos (que até podem existir), têm de ser formuladas da maneira mais extrema e mirabolante para produzirem efeito. Já na campanha eleitoral de 2016 Trump tinha abordado o tema e a lição tinha sido seguida pelos seus alunos mais dilectos (que ele considera amigos pessoais), Rodrigo Duterte das Filipinas e Jair Bolsonaro do Brasil. Este último disse em setembro de 2018: “não aceito resultado diferente da minha eleição”. Mas muitos outros alunos estiveram muito atentos naquela madrugada. Entre outros, Recep Tayyip Erdoğan, na Turquia e, no Egipto, Abdel Fattah al-Sisi, que Trump considera “o meu ditador favorito” e ainda Narendra Modi, na Índia. Outro aluno atento foi Yoweri Museveni, o presidente do Uganda que está no poder desde 1986 e pretende candidatar-se de novo no próximo ano. Na Europa, a turma foi numerosa e incluiu Viktor Orbán, Matteo Salvini, Marine Le Pen, Santiago Abascal e André Ventura.

       2. Transformar maiorias em minorias. Sempre que as maiorias eleitorais não favoreçam a causa fascizante é urgente convertê-las em minorias sociológicas. Por esta via as eleições perdem legitimidade e a democracia transforma-se numa manobra dos grandes interesses económicos e mediáticos. O aluno português, André Ventura, aprendeu esta lição mais rapidamente do que qualquer outro. Em declarações ao Expresso (7-11) disse sobre a vitória de Biden: “Temo, no entanto, que tenha vencido a voz das minorias que preferem viver à custa do trabalho dos outros”.

       3. Critérios duplos. Nada do que é desfavorável à causa pode ser avaliado pelos mesmos critérios aplicáveis ao que é desfavorável. Por exemplo, se se souber com grande probabilidade que a grande maioria dos votos por correio são a favor da causa fascizante, devem esses votos ser considerados não só legais como especialmente recomendáveis em tempo de pandemia.  Caso contrário, deve insistir-se que são um instrumento de fraude e que retiram aos eleitores o momento único de proximidade física e social à democracia. A prova de fraude não interessa, desde que a suspeita seja lançada de imediato e com invenção de estratégias fraudulentas imaginárias.

       4. Nunca falar ou governar para o país e sempre e apenas para a base social. Esta lição é crucial porque é a que mais directamente contribui para minar a legitimidade da democracia. Se a lógica é promover uma corrente de opinião anti-sistema, não faz sentido governar para aqueles que, mesmo tendo queixas, ainda não desistiram de as ver atendidas pelo sistema democrático. O ideal é que a base social seja da ordem dos 30% pelo menos, e cultivar a sua fidelidade sem ambiguidade e ao longo do tempo, tanto na oposição como no governo. O contacto com essa base tem de ser directo e permanente. Ela manter-se-á unida e organizada, na medida em que deixar de confiar em qualquer outra fonte de informação. A partir daí, deixam de ser relevantes quaisquer factos que desmintam o líder. Ao longo de quatro anos, Trump foi capaz de manter a sua base, tal como Orbán na Hungria e Modi na Índia. O mesmo se pode vir a dizer de Bolsonaro.

A auto-estima da base social é o único serviço político sério. Slogans que invocam auto-estima e grandeza devem ser reciclados. “Make America Great Again” foi usado antes por Ronald Reagan. E podem ser reciclados slogans das ditaduras, até porque estas foram com o tempo sendo legitimadas. A reciclagem pode ser integral (“Brasil: ame-o ou deixe-o”) ou modificada (em vez de “Angola é nossa”, “Portugal é nosso”).

       5. A realidade não existe. O líder mostra o controle dos factos sobretudo (1) quando faz parar a realidade supostamente adversa, ou (2) quando, não podendo pará-la, lhe retira toda a sua dramaticidade. Trump mostrou o caminho:  pára-se a pandemia se se deixar falar dela e, para deixar de ser grave, basta parar a testagem intensiva. Ter medo da pandemia é sinal de fraqueza. Trump quis sair do hospital com a T-shirt do Superman; segundo Bolsonaro, ter medo da pandemia é coisa “de maricas”.  Por sua vez, desvaloriza-se a pandemia comparando-a com as pandemias que o sistema criou (desemprego, perda de soberania, falta de acesso aos serviços de saúde, etc.) ou, em versão tropical, apelando para a fatalidade da morte (Bolsonaro: “um dia todos vamos morrer”).

Como para o fascismo a mentira é tão verdadeira quanto a verdade, quanto mais dramático for o contraste da invenção com a realidade tanto melhor. Exemplos de verdades “irrelevantes”: a administração Trump aumentou em vez de diminuir as desigualdades sociais; durante a pandemia a riqueza dos bilionários aumentou em 637 biliões; nos últimos meses, 40 milhões de norte-americanos perderam o emprego; 250.000 morreram com a Covid-19, a mais elevada taxa de mortalidade do mundo; a fome nas famílias triplicou desde o ano passado e o aumento das crianças subnutridas foi de 14%; a moratória nos despejos foi levantada e milhões podem ser lançados na rua. Tudo o que não se pode negar é natural ou humanamente incontrolável. O altíssimo número de mortos no Brasil é obra do destino e o mesmo se diga dos incêndios na Amazónia, já que, por definição, os fogos são incontroláveis e ninguém é responsável por eles.

       6. O ressentimento é o recurso político mais precioso. Governar contra o sistema é impossível, até porque é parte dele que financia o fascismo 2.0. É por isso crucial ocultar as verdadeiras razões do descontentamento social e fazer crer às vítimas do sistema que os verdadeiros agressores são outras vítimas. A base organizada quer ideias simples e jogos de soma-zero, isto é, equações intuitivas entre quem ganha e quem perde. Por exemplo, o aumento do desemprego é causado pela entrada de imigrantes, mesmo que esta seja mínima e realmente irrelevante; o operário branco empobrecido deve ser levado a crer que o seu agressor é o operário negro ou latino ainda mais empobrecido que ele; a crise da educação e dos valores é causada pela astúcia dos coitadinhos que, graças aos “empresários dos direitos humanos”, têm direitos a mais, sejam eles mulheres, homossexuais, ciganos, negros, indígenas. Não faltam bodes expiatórios; é só preciso saber escolhê-los. Esta é a habilidade máxima do líder fascista.

A política do ressentimento exige, além de bodes expiatórios, teorias da conspiração, demonização dos opositores, ataque sistemático aos media, à ciência e a todo o conhecimento que invoque especial perícia, incitamento à violência e ao ódio para eliminar argumentos, auto-glorificação do líder como único defensor fiável das vítimas.

       7. A política tradicional é a melhor aliada sem saber. Desde o momento em que desapareceu da cena política a alternativa socialista, a política perdeu credibilidade como exercício de convicções. Esse momento coincidiu com o reforço do neoliberalismo enquanto nova versão do capitalismo. Esta versão, uma das mais anti-sociais da história do capitalismo, conduziu à destruição ou erosão das políticas de proteção social e das classes médias onde elas existiam, à crescente concentração da riqueza e à aceleração da crise ecológica. Os valores liberais da Revolução Francesa (liberdade, igualdade, fraternidade) foram perdendo sentido para a grande maioria da população, que se considera abandonada, marginalizada, qualquer que seja o partido no poder. Com o descrédito dos valores liberais, perderam sentido as ideologias democráticas que lhes estavam associadas, tais como, convivência pacífica, respeito pelos adversários políticos, moderação e contraditório na argumentação, rotação do poder, acomodação e negociação. Estes valores e ideologias, que sempre corresponderam à vivência prática de apenas uma parcela pequena da população, são hoje lixo histórico que há que varrer.  O vazio de valores tanto permite o desprezo pela verdade como a imposição de valores alternativos, como sejam a prioridade da família, a hierarquia de raças, o nacionalismo étnico-religioso, o mito da era de ouro, mesmo que o passado tenha sido, em realidade, de chumbo. Este é o caldo da cultura da polarização.

       8. Polarizar, polarizar sempre.  O centrismo político morreu e só a radicalização compensa. Nas actuais circunstâncias, a polarização reforça sempre a direita e a extrema-direita.  A polarização já não é entre esquerda e direita. É entre o sistema (deep state) e as maiorias deserdadas, entre o 1% e os 99%. Esta polarização foi tentada em anos recentes pela esquerda institucional e extra-institucional, mas qualquer delas acabou por se submeter servilmente às instituições. Quando se revoltou, foi neutralizada. Isso não pode acontecer ao fascismo 2.0 porque simplesmente este, longe de estar contra o 1%, é financiado por ele. A polarização contra o 1% é meramente retórica e visa disfarçar a verdadeira polarização, entre a democracia e o fascismo 2.0, para que o fascismo prevaleça democraticamente.

A velha direita pensa que domestica a extrema-direita, mas, na verdade, é o contrário que vai ocorrer.  Um exemplo português: o partido de centro-direita, PSD, dispõe-se a coligar-se com o partido Chega, de extrema-direita, “se este se moderar”; resposta imediata do líder do Chega: não é o Chega que se vai moderar, é o PSD que se vai radicalizar. Neste caso, o aprendiz do fascismo 2.0 é o melhor profeta dos tempos.




Imagen: The Intercept


Traducción de Antoni Aguiló y José Luis Exeni Rodríguez

Es imposible predecir qué va a pasar en Estados Unidos durante las próximas semanas. Hay varias preguntas cruciales en el aire que por ahora no tienen respuesta. ¿Hubo o no fraude electoral? Si lo hubo, ¿fue suficiente para invertir los resultados? ¿Será la transición de Trump a Biden una transición de Trump a Trump? ¿O una transición de Trump a un acuerdo de compromiso en el Congreso como el que, tal y como aconteció tras las disputadas elecciones presidenciales de 1876, el candidato ganador asume la presidencia con la condición de aceptar el compromiso extraelectoral? ¿Habrá violencia en las calles sea cual sea la solución, ya que cualquiera de ellas margina a una parte importante y polarizada de la sociedad? Por ahora, todo esto son incógnitas.
No obstante, hay algunas certezas muy sombrías para el futuro de la democracia. Me concentro en una. Me refiero al curso intensivo de fascismo 2.0 que Donald Trump ha impartido a lo largo de estos cuatro años a los aspirantes a dictadores, a líderes autoritarios y fascistas. El curso tuvo su momento más álgido en la clase magistral que Trump comenzó a dar desde la Casa Blanca a las 2.30 de la madrugada (hora de Washington D. C.) el pasado 4 de noviembre. El tema general del curso es "cómo utilizar la democracia para destruirla". Se divide en varios subtemas. En este texto me referiré brevemente a los principales. Las tres primeras lecciones se refieren a las elecciones y el resto, a la política y el gobierno. El objetivo general del curso es inculcar la idea de que la democracia solo sirve para llegar al poder. Una vez en el poder, ni la gobernación ni la rotación democrática son aceptables.

       1. No reconocer resultados electorales desfavorables. El tema de la clase del día 4 fue cómo rechazar los resultados electorales cuando no nos convienen, cómo crear confusión en la mente de los ciudadanos, inventando sospechas de fraude que, independientemente de los hechos (que incluso podrían existir), para surtir efecto tienen que formularse de la manera más extrema y delirante. Ya en la campaña electoral de 2016 Trump había abordado este tema y la lección había sido seguida por sus alumnos predilectos (a quienes considera amigos personales), Rodrigo Duterte de Filipinas y Jair Bolsonaro de Brasil. Este último dijo en septiembre de 2018: "No acepto un resultado diferente de mi elección". Sin embargo, muchos de los alumnos restantes estuvieron muy atentos esa madrugada. Entre otros, Recep Tayyip Erdoğan, en Turquía y, en Egipto, Abdel Fattah al-Sisi, que Trump considera "mi dictador favorito", así como Narendra Modi en la India. Otro alumno atento fue Yoweri Museveni, el presidente de Uganda, que está en el poder desde 1986 y tiene la intención de volver a presentar su candidatura el próximo año. En Europa, la clase fue numerosa e incluyó a Viktor Orbán, Matteo Salvini, Marine Le Pen, Santiago Abascal y André Ventura.

       2. Transformar mayorías en minorías. Cada vez que las mayorías electorales no favorecen la causa fascistizante, es urgente convertirlas en minorías sociológicas. De esta manera, las elecciones pierden legitimidad y la democracia se convierte en una maniobra de los grandes intereses económicos y mediáticos. El alumno portugués, André Ventura, aprendió esta lección más rápido que cualquier otro.  En declaraciones concedidas al diario Expresso (7-11), declaró sobre la victoria de Biden: "Me temo, sin embargo, que haya ganado la voz de las minorías que prefieren vivir a costa del trabajo de los demás".

       3. Dobles criterios. Nada de lo que es desfavorable para la causa puede evaluarse con los mismos criterios que se aplican a lo que resulta favorable. Por ejemplo, si se sabe con gran probabilidad que la gran mayoría de los votos por correo son a favor de la causa fascistizante, estos deben considerarse no solo legales, sino especialmente recomendables en tiempos de pandemia. De lo contrario, hay que insistir en que son un instrumento de fraude que priva a los votantes del momento único de proximidad física y social a la democracia. La prueba del supuesto fraude no importa, siempre que la sospecha sea lanzada de inmediato y con la invención de estrategias fraudulentas imaginarias.

       4. Nunca hay que hablar ni gobernar para el país, sino siempre y solo para la base social. Esta lección es crucial porque es la que más directamente contribuye a socavar la legitimidad de la democracia. Si la lógica es promover una corriente de opinión antisistema, no tiene sentido gobernar para quienes, a pesar de tener quejas, aún no han renunciado a verlas atendidas por el sistema democrático. Idealmente, la base social debería ser al menos del 30% y cultivar su lealtad de manera inequívoca en el tiempo, tanto en la oposición como en el Gobierno. El contacto con la base debe ser directo y permanente. La base permanecerá unida y organizada en la medida en que deje de confiar en otra fuente de información. A partir de ahí, los hechos que desmienten al líder dejan de ser relevantes. A lo largo de cuatro años, Trump fue capaz de mantener su base, como Orbán en Hungría y Modi en la India.  Lo mismo puede decirse de Bolsonaro.

La autoestima de la base social es el único servicio político serio.   Los eslóganes que invocan la autoestima y la grandeza deben reciclarse. "Make America Great Again" fue utilizado antes por Ronald Reagan. Las consignas de las dictaduras también se pueden reciclar, sobre todo porque con el tiempo estas se fueron legitimando. El reciclaje puede ser integral ("Brasil: ámalo o déjalo") o modificarse (en lugar de "Angola es nuestra", "Portugal es nuestro").

       5. La realidad no existe. El líder muestra control de los hechos principalmente (1) cuando detiene la realidad supuestamente adversa, o (2) cuando, al no poder detenerla, le quita todo su dramatismo. Trump mostró el camino: detiénese la pandemia si de deja de hablar de ella, y para dejar de ser grave, basta dejar de hacer pruebas intensivas. Tener miedo a la pandemia es un signo de debilidad. Trump quiso salir del hospital con la camiseta de Superman; según Bolsonaro, tener miedo a la pandemia es cosa "de maricas". A su vez, la pandemia se devalúa comparándola con las pandemias que generó el sistema (desempleo, pérdida de soberanía, falta de acceso a los servicios de salud, etc.) o, en versión tropical, apelando a la fatalidad de la muerte (Bolsonaro: “algún día moriremos todos”).
Como para el fascismo la mentira es tan verdadera como la verdad, cuanto más dramático sea el contraste de la invención con la realidad, tanto mejor. Ejemplos de verdades "irrelevantes": la administración Trump aumentó en lugar de reducir las desigualdades sociales; durante la pandemia, la riqueza de los multimillonarios aumentó en 637 mil millones; en los últimos meses, 40 millones de estadounidenses perdieron sus trabajos; 250.000 murieron con Covid-19, la tasa de mortalidad más alta del mundo; la hambruna en las familias se triplicó desde el año pasado y el aumento de niños desnutridos fue del 14%; se ha levantado la moratoria sobre los desalojos y millones pueden ser lanzados a la calle. Todo lo que no se puede negar es natural o humanamente incontrolable. El altísimo número de muertes en Brasil es obra del destino y lo mismo ocurre con los incendios en la Amazonía, ya que, por definición oficial, los incendios son incontrolables y nadie es responsable de ellos.

       6. El resentimiento es el recurso político más preciado. Gobernar contra el sistema es imposible, dado que parte del propio sistema es el que financia el fascismo 2.0. Por eso, es fundamental ocultar las verdaderas razones del descontento social y hacer creer a las víctimas del sistema que los verdaderos agresores son otras víctimas. La base organizada quiere ideas simples y juegos de suma-cero, es decir, ecuaciones intuitivas entre quién gana y quién pierde. Por ejemplo, el aumento del desempleo se debe a la entrada de inmigrantes, aunque sea mínima y realmente irrelevante; hay que hacer creer al trabajador blanco empobrecido que su agresor es el trabajador negro o latino aún más empobrecido que él; la crisis de la educación y de los valores se debe a la astucia de los pobrecillos que, gracias a los “empresarios de los derechos humanos”, tienen más derechos, sean mujeres, homosexuales, gitanos, negros, indígenas. No faltan chivos expiatorios; solo es necesario saber cómo elegirlos. Ésta es la habilidad máxima del líder fascista.
La política del resentimiento requiere, además de chivos expiatorios, teorías de la conspiración, demonización de los oponentes, ataque sistemático a los medios de comunicación, a la ciencia y a todo el conocimiento que invoque una pericia especial, la incitación a la violencia y el odio para eliminar argumentos, la auto-glorificación del líder como único defensor confiable de las víctimas.

       7. La política tradicional es el mejor aliado sin saberlo. Desde el momento en que la alternativa socialista desapareció del escenario político, la política perdió credibilidad como ejercicio de convicciones. Ese momento coincidió con el fortalecimiento del neoliberalismo como nueva versión del capitalismo. Esta versión, una de las más antisociales de la historia del capitalismo, provocó la destrucción o erosión de las políticas de protección social y de las clases medias donde existían, la creciente concentración de la riqueza y la aceleración de la crisis ecológica. Los valores liberales de la Revolución Francesa (libertad, igualdad, fraternidad) fueron perdiendo sentido para la gran mayoría de la población, que se considera abandonada, marginada, sea cual sea el partido en el poder. Con el descrédito de los valores liberales, perdieron sentido las ideologías democráticas asociadas a ellos, como la convivencia pacífica, el respeto a los adversarios políticos, la moderación y contradicción en la argumentación, la rotación del poder, el acomodo y la negociación. Estos valores e ideologías, que siempre han correspondido a la experiencia práctica de solo una pequeña porción de la población, son ahora basura histórica que hay que barrer. El vacío de los valores permite tanto el desprecio por la verdad como la imposición de valores alternativos, como la prioridad de la familia, la jerarquía de razas, el nacionalismo étnico-religioso, el mito de la edad de oro, aunque el pasado haya sido, en realidad, de plomo. Este es el caldo de cultivo para la cultura de la polarización.

       8. Polarizar, polarizar siempre. El centrismo político murió y solo la radicalización compensa. En las circunstancias actuales, la polarización siempre refuerza a la derecha y a la extrema derecha. La polarización ya no es entre izquierda y derecha. Es entre el sistema (deep state) y las mayorías desheredadas, entre el 1% y el 99%. Esta polarización fue intentada en los últimos años por la izquierda institucional y extrainstitucional, pero alguna de ellas acabó sometiéndose servilmente a las instituciones. Cuando se rebeló, fue neutralizado. Esto no le puede pasar al fascismo 2.0 porque sencillamente, lejos de estar en contra del 1%, es financiado por él. La polarización contra el 1% es meramente retórica y pretende disfrazar la verdadera polarización, entre la democracia y el fascismo 2.0, para que el fascismo prevalezca democráticamente.

La vieja derecha piensa que domestica a la extrema derecha, pero, de hecho, sucederá lo contrario. Un ejemplo portugués: el partido de centro derecha, PSD (Partido Social Demócrata), está dispuesto a asociarse con el partido Chega, de extrema derecha, "si este se modera". Respuesta inmediata del líder de Chega: no es Chega el que se va a moderar, es el PSD el que se va a radicalizar. En este caso, el aprendiz del fascismo 2.0 es el mejor profeta de la época.