Ver o país transformar-se em parque temático à venda não é só irritante, é demolidor
Na sequência de um mês julho que parecia sem fim, em que o trabalho teimava em não acabar (como se alguma vez acabasse), a costa Oeste presenteou-me com a semana de verão perfeita.
Quem passou por lá nos últimos tempos sabe. Quem não ouviu falar anda distraído/a. De férias, em agosto, é sobre as minhas praias que quero escrever.
Não sobre o Oeste da resiliência, como alguém escrevia, tão bem, há uns anos, do nevoeiro ou da nortada, que promovem o reflexo condicionado de juntar o casaco à toalha de praia, da água que gela os ossos e dos estranhos mini triângulos das bermudas que nos obrigam a aprender a ler e respeitar o mar.
“Mais para trás”, “Para aí” são o tipo de frases com que muitos/as de nós crescemos. Mas nesta semana de mar morno, ondas amigáveis e dias quentes, é plena a minha reconciliação com as praias do Oeste.
Depois de anos a viver à beira Índico e de passagens, em trabalho, por lugares paradisíacos, aprecio como nunca o que esteve sempre à mão.
Se o calor húmido e as águas mornas encantam e me é fácil ser feliz em pistas de dança tropicais, dormir confortável, com janela aberta, sem ar condicionado, não tem preço. Mas, honestamente, não entendo como não se vende melhor isso.
Não é uma queixa. A última vez que andei por Lisboa, pediram-me informações extra quando pedi um café, como se estivesse noutro lugar, e não encontrei cerveja portuguesa num hipermercado.
Aprecio sempre a diversidade e receber pessoas, independentemente de onde vêm, é motivo para celebrar. Mas ver o país transformar-se em parque temático à venda não é só irritante, é demolidor. Em vez de ampliar na diversidade, esmaga as diferenças.
Por isso, que o capitalismo continue sem perceber a beleza das ondas do Oeste, o jogo de apostas sobre como estará o mar ou a que horas abre o sol e o desafio de entrar numa água tão gelada, que ativa a circulação e prepara os músculos para relaxarem à noite. Cada dia é uma surpresa.
Guardemos a beleza das dunas, das caminhadas compridas, do mar prateado ao pôr-do-sol. Apreciemos os mercados locais com preços razoáveis, o melhor peixe grelhado do mundo, os milagres do iodo para a saúde física e mental e o bronzeado prolongado.
Nem sempre dou valor ao que imagino universal. Precisei pisar cenários com que fantasiava em criança nos dias de verão sem sol, entrar em mares mornos de ondas gentis e ser feliz em noites quentes para perceber a falta que me faz o cheiro do mar.
Não temos as praias melhores (vá-se lá saber quais os critérios dessa corrida), mas temos uma maresia que lava a alma e sossega ansiedades. E isso, longe de ser universal, não é coisa pequena.
É provável que a próxima semana seja de chuva, que a nortada não dê tréguas, as nuvens não arredem pé e a água volte a gelar. Sabe-se lá.
Se assim for, ponha-se a conversa, os afetos ou a leitura em dia; acendam-se brasas; fique-se mais tempo à mesa; vista-se mais um casaco; beba-se mais um copo.
Nesse cenário, é certo que reclamarei do frio e ficarei ainda mais irritada com os carros estacionados no passeio. Mas, para já, o dia está a abrir e, na costa Oeste, toda a gente sabe que raio de sol é para viver fora do ecrã.
Conteúdo Original por Jornal de Leiria